Sobre a Seleção (por Paulo-Roberto Andel)

Pensando bem, são muitos os motivos que explicam a queda de padrão do futebol brasileiro, e que naturalmente desaguam nos caminhos da Seleção. Muitos, muitos. Passam por dirigentes escroques e tenebrosas transações. E dão um livro grosso.

Contudo, o maior deles se repete inclusive noutros esportes, mas foi uma espécie de guilhotina cortando a excelência que, um dia, já povoou nossos gramados: o desprezo que o talento passou a receber em troca da atenção absoluta da parte físico-tática.

Em pouquíssimo tempo, o futebol no Brasil virou uma verdadeira febre. Quando o Brasil conquistou sua primeira grande colocação, o terceiro lugar na Copa de 1938, já tínhamos super craques como Domingos da Guia, Leônidas, Romeu Pelicciari e outros. Vinte anos depois, encantamos o mundo com Pelé e Garrincha. Dali, até 2006, com grandes colocações e quase sempre entre os cinco maiores do mundo, sempre tivemos grandes jogadores aos montes, a ponto de todo treinador da Seleção ser cobrado por ausências em sua lista de convocações.

De onde vinham esses craques todos? De milhares e milhares de campinhos Brasil afora. Éramos uma verdadeira fábrica de craques em larga escala. Campinhos de terra, de areia batida, de pedra inclusive. Milhares e milhares de garotos enlouquecidos pelo jogo em vielas, favelas, vilas, praças, na praia, onde desse pra jogar. E dessa multidão tiramos, durante décadas, dezenas de craques que inundaram o mundo com dribles, passes e jogadas geniais, descobertos por olheiros dos clubes. Foi o que fez a fama do futebol brasileiro, não necessariamente aliado ao rigor tático, mesmo tendo treinadores competentes e especializados.

Um golpe violento veio com a Copa de 1982. A derrota para a Itália levantou o argumento de que o “futebol arte” era inútil e deveria ser substituído pela força. A nova onda perversa dominou o Brasil, mas nosso petróleo da bola era tão farto que ainda aguentamos 25 anos com as reservas técnicas. E tome Romário, Geovani, Bebeto, Ricardo Gomes, Branco, Valdo, Raí, Leonardo, vários desses tetracampeões em 1994. E tome Amoroso, Edilson, Djalminha, Marcelinho, Kaká, Ronaldinho Gaúcho, Roger, Alex, Felipe…

A Lei Pelé deu alforria aos jogadores. Em compensação, espatifou os clubes, saqueados por dirigentes e empresários. Em paralelo, os garotos passaram a ser formados para o combate em vez da criação. Veio a era dos volantes brucutus. Enquanto isso, os campinhos foram desaparecendo, os garotos descalços foram desprezados, os empresários tomaram o lugar dos olheiros e a indústria exige porrada e força em vez de destreza. E nós, que antigamente tínhamos vinte ou trinta jogadores para escalar onze, chegamos à Era Neymar, a do time de um talento só que seria responsável por resolver tudo em campo. Como se viu, não deu certo.

Há trinta e poucos anos, o sonho da Venezuela era marcar um gol no Brasil. Apesar da tradição, fazer seis gols no Paraguai e cinco no Uruguai não era difícil em 1979. O futebol mudou e muitos evoluíram em seus cenários. Nós, não: abrimos mão do melhor que tínhamos – nossa habilidade, capacidade de improvisação e perspicácia – para nós tornarmos inferiores às seleções que, um dia nós invejavam. Jogamos fora o principal combustível do nosso protagonista, o talento. Em compensação, temos uma indústria de marcadores.

O problema maior não está numa derrota para o Paraguai, hoje normal. Até segunda ordem, a classificação para a Copa do Mundo ainda não parece ameaçada. O problema mais grave é que, se conseguirmos confirmar o passaporte para o Mundial, ele será o de coadjuvantes. O problema é verdade que, nesta derrota de quarta, o Brasil não tem um único desfalque expressivo – o time que está lá é o que temos e só. Quem ali realmente faz diferença do ponto de vista da qualidade técnica?

Alguém espera por Neymar? Quem ainda acredita em sua volta ao futebol profissional de excelência?

O Brasil precisa refundar suas divisões de base e valorizar o talento, se não quiser se tornar de vez um centro inexpressivo do futebol. Precisamos voltar a fabricar craques em série e recuperar a identidade do nosso futebol.

Peço a compreensão dos mais jovens, não se chateiem comigo. Não é saudosismo, mas apenas meu olhar de criança como torcedor. Se naquele tempo alguém falasse de um camisa 10 (ou 8) talentoso e importante, você poderia lembrar facilmente de Dicá, Ailton Lira, Renato, Zenon, Pita, Adílio, Cléber, Zico, Rivellino, Guina, Palhinha, Sócrates, Jorge Mendonça, Falcão, Mendonça, Enéas, Douglas e outros.

Hoje falamos de quem?

@p.r.andel

Fair Play financeiro ou uma conveniência? (por Robertinho Silva)

Essa turma que agora faz defesa ostensiva de Fair Play financeiro está me fazendo voltar no tempo. Me lembro do ano de 2002, onde o Santos da segunda geração de “Meninos da Vila” se classificou em oitavo e depois, nos mata-matas, se sagrou campeão brasileiro.

Logo após isso, me lembro das mesas de dabate falando em mudanças na fórmula de disputa do campeonato. O argumento era de que o mata-mata, dava chance ao “imponderável de Almeida”, que não premiava a “regularidade”. Por outro lado, diziam que “ponto corrido era mais justo” que era “a vitória da regularidade e do planejamento”, que “na Europa era assim” e que aqui também tinha que ser.

O “Na Europa é assim” serviu pra mudar a fórmula de disputa. Mas, pra ter uma equidade/paridade nas receitas, aí o argumento mudou pra “Na Europa é na Europa, Brasil é Brasil”…

Dentro desse falso conceito de “meritocracia” (leia-se dar privilégios individuais a alguns em detrimento dos demais) instaurou-se a falácia de “Fulano tem mais torcida, dá mais audiência” e por isso “tem que receber mais dinheiro da TV”.

Todas as mudanças que são impostas na base da politicagem, vem acompanhadas de belos discursos, narrativas psicodélicas, dando conta de que tudo vai ser muito bom. Vinte anos depois, podemos dizer que o futebol brasileiro decaiu como um todo. Tivemos uma concentração absurda de receitas em um cartel de clubes, fulminando o equilíbrio técnico e financeiro da competição.

A pergunta que fica é: isso tudo foi bom pra quem?

Obviamente a questão aqui não é entrar no debate sobre mata-mata x pontos corridos. O caso é outro.

O que fica explícitoné que todas as mudanças que são impostas, que sempre vêm camufladas de “bem coletivo”, na real são só para privilegiar o umbigo de alguns.

A “Espanholização” está no formato de disputa, está na tabela que montam, que é sempre mais interessante pra A e B do que para os C, D, E e Fs que compõem o mesmo certame. Está na grade de horários, para gerar mais matchday pra uns e menos para outros. Está no noticiário sempre mais animado pra um e no cenário de terra arrasada para os demais.

É o famoso “aos amigos, tudo, aos inimigos a lei”. Nos tribunais desportivos, a gente já observa isso, onde as decisões são tomadas com a mesma parcialidade que se distribui as cotas de televisão.

Hoje, estamos vendo quem defende FAIR PLAY FINANCEIRO vindo com discurso bonito de “Não pode gastar mais do que arrecada” e “que é pra proteger os clubes”…

O Cruzeiro ficou três anos na Série B. O Bahia chegou a Série C. O Botafogo caiu três vezes. O Vasco disputou cinco vezes a Série B. Qual foi o mecanismo criado para salvar esses clubes?

Esse discurso obviamente está enviesado, é uma coisa que só vai até a página 2. Aqui, assim como nos principais países da Europa, estão visando manter a hegemonia de um seleto grupo.

Quando você faz interdição de investimentos, basicamente condena times médios e pequenos a sempre serem médios e pequenos. Você interdita possibilidade de crescimento.

Futebol não é monopólio. Ele vive da rivalidade. Da disputa. Da livre concorrência.