Tarde de bola (por Paulo-Roberto Andel)

SEXTA-FEIRA vadia, fria e meio silenciosa, então surge na TV Hungria versus Holanda pela Liga das Nações. Toda hora tem uma competição: Copa do Mundo, Copa América, Eurocopa, Liga das Nações. Bem, acabou a Copa das Confederações.

Jogo na Hungria, estádio lotado. Setenta anos depois de Puskás, Czibor, Hidegukti e Kocsis ainda alimenta sonhos e esperanças, mesmo que vãs. Um time daqueles de novo? Nunca mais. A Hungria fez 10 a 1 em El Salvador na Copa da Espanha, a maior goleada dos Mundiais. E também ganhou do Brasil por 3 a 0 em 1986, com um gol de Détári. Salvo engano, foi a última atuação de Leão como titular da Seleção Brasileira. Minha simpatia pela Hungria, além dos craques do passado, tem a ver com o Fluminense: a semelhança das cores. Ah, em 1982 tinha o goleiro Mészáros, que faleceu ano passado. Uma vez eu fiquei ouvindo pelo radinho Fluminense x Honved, eles ganharam por 2 a 0 no torneio de Córdoba. Não lrmbro se chegou a ter a transmissão ou só as informações da partida. O que sei é que perdemos para o grande Honved dos anos 1950. E o radinho estava colado na minha cara.

O sonho da Holanda não tem setenta anos, mas cinquenta. O que dizer do time de 1974 que, mesmo sem Cruyff, chegou à final do Mundial da Argentina em 1978? Um bando de craques geniais, malucos e humildes: todos atacavam, defendiam e trocavam de posição. Os adversários enlouqueceram. Krol, Neeskens, Rep, Suurbier. Jongbloed, uma legenda. Van era com a Holanda: Van Beveren, Van Breukelen, Van Der Kherkof, Van Basten – e na música, Van Halen. Agora quase não tem. A segunda leva, com a turma do Gullit, foi excelente também. O terceiro vice mundial, conquistado em 2010, serviu para que, apesar da frustração, a Holanda fosse tão grande a ponto de ser a única seleção que não conquistou uma Copa, mas com status como se tivesse conquistado.

[Máquina Tricolor e Laranja Mecânica têm tudo a ver, de ponta a ponta, da costa leste à oeste

A partida acabou sendo divertida, mas não brilhante. Prevaleceu a marcação da Hungria no primeiro tempo, quando a seleção mandante fez um belo gol: cruzamento da esquerda e finalização de primeira no alto à esquerda. No segundo tempo a Holanda predominou, mesmo com um jogador a menos, e acabou empatando no fim com bela cabeçada de Dumfries. Memphis Depay ainda não está por lá. Na hora da comemoração foi fácil ver como o uniforme holandês azul é bonito, embora a eterna camisa laranja seja imbatível.

Ah, no primeiro tempo teve um lance sensacional, que só se compara a uma decisão por pênaltis – sempre corrigida pelo eterno Mário Vianna, com seus dois ênes: “NÃO SÃO PÊNALTIS, MAS TIROS LIVRES DIRETOS DA MARCA PENAL”. Ufa! Vamos ao lance: dois toques dentro da área húngara, dez húngaros debaixo da trave, dez holandeses pensando onde a bola pode chegar ao gol, tensão discussão. A bola parada depois da marca do pênalti. A cobrança é uma bomba, mas o desfecho é improvável: o goleiro defende sem rebote.

No fim, os húngaros – que contaram com a vitória magra em boa parte do tempo – saíram meio decepcionados, mas não deixaram de cantar e gritar para seus jogadores. Foi uma boa partida. Não, não: Czibor, Hidegukti, Puskás e Kocsis, nunca mais. Cruyff e Neeskens, nunca mais. Contudo, toda vez que começa um jogo, todos os torcedores voltam a ter doze ou dez anos de idade – assim, tudo é visto com o amoroso doce licor da infância. Faz muito tempo, mas é impossível para Holanda e Hungria entrarem em campo sem abrir as cortinas do passado, um belo e fascinante passado.

O jogo do radinho. O Honved tinha outro Kocsis. O Fluzão? Paulo Goulart, Marinho, Ademilton, Edinho e Ricardo Longhi; Pintinho, Givanildo e Mário; Osni, Tulica e Zezé. Depois entraram Edevaldo, Rubens Galaxe, Robertinho e Parraro. O Flu vivia tempos de crise e não ganhava nada desde 1977, mas ninguém sabia que, meses depois, com sete desses jogadores que perderam para o Honved, surgiria um grande campeão. Certas coisas a gente só entende depois que o tempo passou.

Aquele radinho me traz muitas coisas.

@p.r.andel

Meu time (por Paulo-Roberto Andel)

CRACKS DA PELOTA

Tenho saudades do meu time. Ele não era apenas um time, mas um ambiente, uma atmosfera. Tanto fazia se a arquibancada estava lindamente lotada debaixo de uma nuvem continental de pó de arroz, tanto fazia: podia ser também uma quarta-feira vazia, chuvosa, com alguns bandeirões e a esperança numa vitória, mesmo que não significasse um título. Meu time era ter meu pai me puxando pela mão e me dando cachorro quente; era a sala das torcidas onde você espiava a dança das cores embalada pelo samba autêntico. Tenho saudades do meu time, todo de branco em campo, cheio de valentes jogadores negros, alimentando os sonhos dos garotos com o jogo de bola que, mesmo tão contaminado por ora, mantém seu fascínio através dos tempos. Eu tenho saudades de quando éramos quase todos anônimos e ninguém precisava se promover com polêmicas medíocres, porque o que realmente importava era o time – e não a patética vaidade do senhor dono da razão. Saudades de quando tudo era mais simples e humilde – o Maracanã era povo de verdade. Há quarenta anos, eu deitava sozinho no chão da geral e o céu me parecia uma grande tela circular: as nuvens lentamente navegando pelo céu, uma ou outra estrela sobressaindo e uma réstia de infinito que só revi anos depois nas telas circulares dos shows do Pink Floyd. Eu tenho saudades dos abraços sinceros na arquibancada, saudades dos maravilhosos vendedores de refrigerantes com seus capacetes, tanques de refresco nas costas, roupas brancas e visual de astronautas. Saudades das grandes bandeiras coloridas – vert, blanc, rouge! Saudades dos grandes placares eletrônicos com suas lâmpadas e o nosso escudo estampado nelas quando o time subia a escada do túnel à esquerda para entrar em campo – dezenas de garotinhos corriam loucamente pelo gramado, sonhando em estarem ali um dia como protagonistas. Está quase tudo morto pelo tempo, pois ele sempre vence, mas um refúgio permanente: o das minhas lembranças, o da saudade.

@p.r.andel